VISÃO POLÍTICA / POR QUE SER CANDIDATA

Soninha, por que ser candidata à Prefeitura de São Paulo?



Sempre fui do tipo que quer "mudar o mundo" e nunca aceitei o vaticínio de que "isso é coisa da juventude, depois passa". O que me indignava antes continua me indignando. O que eu sonhava antes - um mundo melhor para todo mundo - continuo sonhando. Mais do que isso: trabalhando por esse sonho, ao mesmo tempo utópico e básico, com sacrifício e também com prazer. Às vezes cansada e desanimada, às vezes empolgada e feliz.

Passei a vida toda examinando os problemas e qualidades desta cidade doida, querendo aproveitar todos os seus talentos, o conhecimento acumulado aqui e em outros lugares, compartilhar o que ela tem de bom e eliminar o inaceitável, cruel, absurdo.

Como leitora ou mediadora de debates, eleitora ou repórter, professora ou vereadora, mãe ou ativista, sempre estudei muito, refleti, discuti e agi pensando em como transformar a cidade.

Depois da experiência na Câmara Municipal, conheci muito mais sobre a administração pública e a política, as possíveis soluções para os problemas e a dificuldade e o custo de cada uma. Posso dizer sem modéstia fingida: conheço MUITO bem temas como mobilidade, meio ambiente, cultura, educação, saúde, habitação, infância, juventude, segurança... Outro dia, alguém perguntou: "Mas você está mesmo pronta para ser prefeita?". "SIM, posso começar amanhã?".

E não apenas não tenho nenhuma dificuldade como tenho a maior vontade de continuar aprendendo - com as administrações anteriores, seus acertos e seus erros; com especialistas e servidores, parlamentares e usuários dos serviços.

Não perco nunca a visão do todo e do detalhe; dos sistemas complexos e da qualidade do atendimento a cada pessoa; da necessidade imediata e dos impactos futuros. Nesta minha vida de "famosa", na TV ou na política, muitas coisas continuam como sempre foram - eu ando a pé, de ônibus, de bicicleta; dirijo minha moto e meu carro, uso a saúde pública, , pego fila, dou aulas voluntárias na periferia... Sei na pele como é.

Tenho uma vontade insuportável de fazer tudo o que puder para transformar a cidade e também a política. A prefeita é líder de uma equipe; precisa escolher bem seus auxiliares e ser muito firme na condução dos trabalhos. E, na minha visão, precisa saber "separar" a política da administração, isto é, não deixar que os compromissos e acordos políticos estraguem o governo, como é tão comum acontecer... Em nome de uma aliança, em retribuição ao apoio na eleição ou ao voto no Parlamento, entregam-se cargos sem critério de mérito e qualidade; divide-se a cidade em "cotas"; loteiam-se Secretarias, Subprefeituras e empresas, desprezam-se talentos em troca de pessoas que façam favores. Não me conformava com isso quando estava fora da política e não me conformarei jamais.

Talvez você esteja pensando: "Falar é fácil... Quero ver chegar lá e fazer diferente. Não tem mais jeito, não... Todo mundo chega lá e faz igual". Pois eu fui vereadora e não fiz "igual". Muitas vezes fiquei "isolada", o que alguns colegas consideraram "um erro". Ouvi conselhos de todos os tipos, sofri pressões ("não faça assim, não é bom pra você...") e continuei firme.

Estou em um partido que me garante a liberdade fundamental de agir conforme as minhas convicções - coisa tão simples e tão rara! E quando alguém aparece com alguma regra em que todo mundo acredita mas que nunca existiu de verdade (do tipo "política é assim..."), eu não agüento: "Quem disse? Quem disse que tem de ser assim? Quem disse que não tem outro jeito?".

Claro que tem. Estamos aqui para isso - eu e, tomara, você também.

Soninha, qual é a sua visão política e o que você pretende concretamente se candidatando à Prefeitura?

Acho que a segunda parte da resposta ajuda a responder a primeira... O que eu pretendo, em primeiro lugar, é disputar a Prefeitura da cidade discutindo grandes temas, pensando a cidade a curto, médio e longo prazo.

Analisar honestamente as possibilidades de solução de seus problemas, sem nenhum constrangimento ou obrigação de falar bem disso ou daquilo, e mal deste ou daquele, isto é: posso reconhecer iniciativas bem-sucedidas em governos anteriores, independentemente do partido, tanto quanto falar de boas práticas em qualquer outro lugar do Brasil ou do mundo.

E sem prometer ser a sabe-tudo, resolver tudo, ter todas as boas idéias do mundo, mas assumindo o compromisso de discutir incansavelmente o que for mais complexo, mais polêmico, com especialistas e os diretamente envolvidos (por exemplo, soluções de habitação são sempre complicadas, têm muitas inter-relações - com meio ambiente, trabalho, renda etc.).

Precisamos criar ou fazer funcionar muitos instrumentos de participação e controle, descentralizar a gestão, respeitar as peculiaridades dessa cidade imensa. Meu objetivo é a cidade, e tenho certeza que a administração tem de estar acima de disputas partidárias. O que não exclui uma visão política da administração, mas a política é meio e não fim.

Sobre a "visão política" propriamente dita: sou de esquerda. Não acredito no mercado como promotor de desenvolvimento e justiça; na competição como melhor forma de organizar a sociedade.

Sei que não podemos suprimi-lo, extinguir o capitalismo, mas o Estado tem o dever de corrigir distorções, combater o desequilíbrio, oferecer oportunidades, promover modos de colaboração, cobrar responsabilidades. Incentivar determinadas posturas, onerar ou punir outras.

A administração municipal tem uma responsabilidade e um poder imenso nesse sentido, ao mesmo tempo em que é muito limitada em outros - infelizmente, ficamos dependentes de uma política econômica sobre a qual temos pouco poder de interferência (o que fazer quanto aos juros e a taxa da câmbio, além de espernear?).

Enfim, não é fácil explicar "visão política" em uma resposta, mas acho que ela fica evidente na análise do meu mandato, da minha postura diante de determinados temas da política e da sociedade - e faço questão de deixar sempre muito claro como eu ajo e penso, mesmo que isso tenha conseqüências arriscadas em termos eleitorais. É muito fácil acompanhar meus passos, pela internet e em entrevistas. Creio que isso também seja uma demonstração de que tipo de política eu sou.

A decisão em disputar um mandato no Executivo tem alguma relação com fato de não você não ter conseguido implementar várias de suas idéias no Legislativo?

Mais ou menos. Algumas coisas eu não conseguiria fazer no Legislativo porque não são da nossa alçada. Não é uma frustração pessoal. São atribuições diferentes. Eu amei esse tempo que eu tive e que eu ainda tenho aqui como parlamentar, com tudo que teve de sacrificante e frustrante. É sensacional essa experiência de ser parlamentar na Câmara Municipal de São Paulo, apesar de tudo o que me queixei e ainda vou me queixar até o fim do mandato. A frustração é inevitável e, às vezes, é surpreedente. Mas é diferente. O Executivo tem um raio de ação maior, mais direto, mais palpável. Muita coisa que a gente consegue aprovar no Legislativo, através de projeto de lei ou de inclusão no orçamento, quem vai agir de fato é a outra esfera. Não é que eu esteja procurando um consolo para uma frustração pessoal. É só vontade de ser útil de uma outra forma e em um outro lugar.

Qual o maior desafio da cidade de São Paulo?

São Paulo é um (mau) exemplo de um dos piores defeitos do Brasil: a desigualdade. É a cidade mais rica e mais pobre da América Latina. Tem todos aqueles extremos que estamos cansados de conhecer - uma das maiores frotas de helicópteros do mundo e uma extensão de metrô ridícula para uma metrópole... Um número impressionante de cirurgias plásticas e tanta gente perdendo dentes por falta de cuidado. Milhões de celulares e tão poucos livros por habitante; tantas faculdades e tamanha deficiência na escolarização de adolescentes...

Reduzir essas distâncias é particularmente difícil pela combinação de alguns fatores muito presentes em nossa cultura nos últimos tempos: o consumismo como método para alcançar a realização (ter algo para ser alguém); o imediatismo (endividar-se em vez de poupar); a tendência a colocar o patrimônio, conforto e segurança individuais muito acima do interesse coletivo (vide insulfilmes e "bairros privados"); o estresse e agressividade decorrentes disso tudo.

Para completar, a total descrença na política e políticos, fazendo com que toda ação do poder público seja vista com desconfiança e com que poucos estejam dispostos a abrir mão de qualquer coisa em nome do bem-estar geral. Desconfiamos uns dos outros – partidos, governos, empresas, sindicatos, ONGS, movimentos sociais, mídia, indivíduos... Pior que isso: às vezes sabotamos uns aos outros em nome de nossos "objetivos estratégicos". Essa resistência - a baixar a guarda e contribuir, participando generosamente da cidade – talvez seja o maior problema a ser enfrentado pelo próximo governante.