(Ei, que tal ler antes de dizer "Sou contra!"? Você pode até continuar sendo contra, mas é bom entender a proposta)
Quem vai pagar pedágio urbano?
Carros particulares que circulem pela região central nos horários de maior movimento (ex.: durante a semana entre 7:00 e 20:00. É só uma possibilidade; precisa haver estudos e testes antes).
(Quem morar na região pedagiada terá tratamento diferenciado – não é justo ter de pagar pedágio para sair de casa).
Ônibus não paga (claro que não!). Táxi não paga. Moto não paga.
O que será feito com o dinheiro?
Será aplicado obrigatoriamente em melhorias do transporte público – veículos, pontos, terminais, sistema de informação e controle... Se um dia chegarmos ao ponto dele não precisar de nenhuma melhoria (existirá esse dia?), o pedágio arrecadado será utilizado para aumentar o subsídio e baratear a tarifa.
(Para quem não sabe: o transporte coletivo não se sustenta só com o pagamento das tarifas. A prefeitura paga uma boa parte das despesas com o transporte com recursos orçamentários. Por isso também sou contra a proposta de "tarifa zero": o transporte tem um custo alto. Se o passageiro não pagar nenhuma tarifa, o dinheiro sairá todo dos cofres públicos. Muito bem: de que área vamos tirar dinheiro para bancar todo o sistema de ônibus? Da Saúde? Da Assistência Social? Do Meio Ambiente? Da Cultura ou do Esporte? Da folha de pagamento?)
Para dar total clareza, podemos ter um painel eletrônico na rua (e outro na internet) informado a arrecadação em tempo real e também dizendo com precisão para onde foi o dinheiro - por exemplo: "R$1 milhão para a compra de ônibus novos, mais confortáveis e silenciosos e mens poluentes, para o corredor Santo Amaro"; "R$500 mil para a reforma do terminal Cachoeirinha e dos pontos da Avenida Inajar de Souza". Pronto: o cidadão poderá VER o resultado do pedágio.
"Mas eu já pago muito imposto".
É, e o Brasil tem três problemas quanto a isso: 1) a má qualidade de boa parte dos serviços públicos, que faz com que as pessoas digam "eu pago e não vejo para onde vai meu dinheiro!"; 2) a corrupção, a incompetência e o desperdício, que fazem com que as pessoas VEJAM para onde vai o dinheiro – para o lugar errado! 3) o fato de alguns pagarem, proporcionalmente, muito mais imposto do que os outros. E o problema é que os pobres paguem mais do que os ricos.
Quando se fala em "reforma tributária", parece que o certo é sempre "menos imposto". Mas o certo é diminuir a carga para uns, e aumentar para outros. E melhorar a eficiência e transparência da arrecadação, bem como a transparência, eficiência e controle social dos gastos públicos.
Dentro dessa perspectiva, podemos dizer que carro paga pouco imposto.
"Como assim, carro paga pouco imposto?"
Os automóveis causam um impacto enorme nas finanças públicas. Obras viárias, asfaltamento, recapeamento, sinalização... Carros são os principais responsáveis pelos congestionamentos ("excesso de veículos", já ouviram falar?).
Tem carro demais para pouco espaço – essa não é uma posição política, é uma verdade matemática. A cidade nunca vai dar conta de providenciar espaço para tanto automóvel – e olha que já derrubou muitos prédios e árvores, tapou rios e diminuiu calçadas para carros circularem e estacionarem (ou ficarem parados no congestionamento). E tudo isso custou caríssimo.
Carros fazem barulho, poluem, emitem gases de efeito estufa e causam danos à convivência e à paisagem. (Quando as pessoas só andam de carro, perdem contato umas com as outras, se fecham em mundos isolados. E a rua vira um espaço para os carros ocuparem entre um lugar e outro – não um prolongamento da vida das pessoas).
Donos de carros pagam impostos pela sua propriedade. Mas o custo da circulação do automóvel recai sobre toda a sociedade, sem distinção. O sujeito que só anda a pé e de ônibus tem uma parte substancial de seus impostos destinada a cuidar da circulação dos carros e do estrago causado por eles (como a poluição do ar). Ele anda de ônibus mas paga pelos carros. E tem um prejuízo danado com o congestionamento. (Aliás, os carros atrapalham a circulação dos coletivos também).
O pedágio urbano é uma maneira de dividir melhor essa fatura. Quem anda de carro polui mais, emite mais gases de efeito estufa e ocupa mais espaço, proporcionalmente, que o cidadão sem carro. Então deve pagar um valor extra para compensar.
"Mas andar de carro é crime?"
Não, e o pedágio não é uma punição. É uma cobrança diferenciada por um uso diferenciado. Andar de carro no centro da cidade, ocupando sozinho 9m², é o equivalente a ocupar um Camarote VIP enquanto todo mundo está de pé na Geral.
"E quanto vai custar o pedágio?"
Isso precisa ser estudado. Depende da área a ser pedagiada e do sistema de cobrança.
O urbanista Cândido Malta, que defende a implantação de pedágio em todo o centro expandido, prevê a cobrança do equivalente a um dólar por automóvel – algo em torno de dois reais. Com os milhões de automóveis que circulam nessa região, a arrecadação destinada ao transporte público seria fabulosa – e poderia, por exemplo, acelerar os projetos de metrô.
Mas o principal objetivo do pedágio não é a arrecadação – é o desestímulo ao uso supérfluo do automóvel. É fazer com que o dono do carro pense bem se essa é mesmo a única ou a melhor maneira de ele se dirigir a uma região central; se não pode tomar transporte coletivo, táxi, combinar carona com um colega, reunir várias atividades em uma única viagem ou deixar algumas coisas para fazer em horário menos movimentado. Com as pessoas se reorganizando e redefinindo suas prioridades, haverá menos carros nas ruas e menos congestionamento.
Se o pedágio for muito barato, esse efeito desestimulador não funcionará – e o motorista pagará pedágio e ficará congestionado, o que é péssimo.
Já se o congestionamento diminuir, como deve acontecer (foi assim em outros lugares do mundo), mesmo com pedágio, sai mais barato para o motorista de automóvel...
"Mas o transporte público é muito ruim e eu não tenho opção!"
É verdade em alguns casos – não em todos.
O transporte público é ruim em algumas regiões e horários. Na hora do rush, no sentido bairro-centro, ele fica lotado. No contra-fluxo, nesse mesmo horário, está vazio... E fora da hora do rush, não é difícil ver ônibus circulando com espaço livre em qualquer direções.
Ou seja: existem trajetos e horários em que já é melhor usar o transporte público do que o automóvel. Sacrifica-se uma certa praticidade (sair do elevador e entrar no carro) mas ganha-se em tempo, sossego e dinheiro. Porque o congestionamento, esse sim não tem mais horário... O trânsito é ruim o dia todo. Mas tem gente que ainda se sente em vantagem sentada no carro parado do que dentro do ônibus circulando...
Carro não é só necessidade, é hábito. Às vezes, vício. As pessoas se desacostumaram de andar 100 metros até o ponto, esperar cinco minutos, dividir o espaço com estranhos...
Não é que o transporte coletivo não precise melhorar – precisa, e muito. Mas tirar carros da rua também é uma maneira do transporte coletivo melhorar. E por mais que ele melhore, os viciados em automóvel continuarão precisando de um empurrãozinho para trocar uma coisa pela outra.
A região central – onde há mais proprietários de automóveis... – também é o lugar mais bem servido de transporte coletivo. O caso não é bem de falta de opção... Mas antes de implantar o pedágio urbano, é preciso criar estacionamentos junto a estações de trem e metrô e terminais de ônibus para facilitar a integração do carro com esses outros meios.
Além disso, é preciso haver estímulos ou mesmo imposições para que determinadas atividades do setor privado, que geram um impacto muito grande no tráfego de uma região, ofereçam serviços de vans, microônibus ou ônibus como alternativa ao automóvel, com translado para bolsões de estacionamento e estações de trem e metrô. É o caso de shopping centers, estádios de futebol e faculdades.
Enfim, o pedágio só será cobrado depois que muitas boas alternativas estiverem sendo oferecidas ao uso do automóvel particular. E se continuar havendo congestionamentos... Se de repente houver menos carros na rua e o espaço viário não for mais tão disputado, poderemos passar sem ele.