ASSUNTOS POLÊMICOS

MACONHA

Você já admitiu ter fumado maconha. Isso lhe trouxe problemas?

Sim. Até hoje, em alguns lugares, ainda sou apontada como a maconheira. Mas não me arrependo do que disse.

Isso mudou algo na sua carreira? Você pode comentar sobre? Ainda fuma?

Parei de fumar já faz alguns anos. A visão que as pessoas têm dos usuários é muito distante da realidade... Por isso, naquela discussão sobre a possível mudança da lei, era importante tentar mostrar que maconheiro não é "tudo bandido" ou "tudo doente", como algumas campanhas fazem parecer. O que mudou na minha carreira é que, infelizmente, muita gente só sabe uma coisa a meu respeito: "Sei, é aquela da maconha"... Mas também tem um lado positivo: muita gente deu valor ao fato de eu ter falado a verdade, mesmo que isso pudesse me prejudicar.

ABORTO

E quanto à proposta de descriminalização do aborto?

Apóio. Acho que isso não é assunto para polícia, delegacia e cadeia. É para ser tratado em outras redes, de saúde pública, educação. Isso não quer dizer que sou a favor do aborto. Pela minha prática religiosa - o budismo - não é admissível interromper o desenvolvimento de uma vida humana.

Eu já fiz um aborto, numa época em que tinha deixado de ser católica e ainda não havia encontrado o budismo. Para mim a vida humana é um privilégio - porque o homem tem o poder de refletir sobre suas ações e não viver impelido apenas pelo instinto. Impedir o desenvolvimento dessa vida é uma agressão. Mas a lei que tenta impedir o aborto mais agride do que protege a vida. As conseqüências de abortos clandestinos estão entre as maiores causas de mortalidade materna no Brasil.

GAYS

São Paulo tem a maior parada gay do mundo. Como vê as reivindicações desse movimento?

A melhor frase dos militantes é: “Nem menos, nem mais: direitos iguais.” Você não precisa aceitar, concordar, mas deve respeitar os direitos dessas pessoas. Direito ao trabalho, à educação, a freqüentar os lugares públicos, a andar de mãos dadas com o namorado na rua sem correr riscos de agressão. O combate à discriminação tem de ser política pública.

Quais são suas propostas para a comunidade LGBTI como candidata à prefeita?

Muitas das coisas que a gente defende são de esfera federal, então, alguns direitos básicos pelos quais eu luto estão fora do alcance. Mas dá pra fazer política municipal de igualdade. No combate à discriminação, por exemplo, queremos tratar do tema na escola. Primeiro com os professores e demais servidores, depois com os alunos e suas famílias. Para isso, é preciso elaborar um programa com uma metodologia que inclua oficinas, seminários e publicações cuidadosas de combate à discriminação.

É preciso também fazer campanhas educativas na mídia para promover a inclusão. Porque hoje existem pessoas que não conseguem continuar seus estudos por causa da perseguição, do deboche e até mesmo da ameaça física.

Temos que garantir o respeito à diversidade no ambiente escolar. Esse drama escolar é muito observado no meio das travestis, por exemplo. Eu conheço gente que saiu da escola, principalmente no segmento das travestis e transexuais, e hoje não tem como voltar a estudar nas turmas de aprendizado de jovens e adultos oferecidas pela prefeitura por meio do EJA (Ensino de Jovens e Adultos). É preciso promover decisivamente a inclusão de transexuais e travestis que deixaram os estudos por enfrentarem preconceitos.

Como fazer isso?

Promovendo a diversidade, o olhar respeitoso, solidário e generoso para todas as formas de orientação sexual. Um instrumento bem legal para isso é a Cultura, promover mostras de filmes, de peças de teatro e festivais literários de temática homossexual. Hoje em dia existem iniciativas do tipo, mas privadas. Isso deve ser feito como política pública também, a prefeitura também pode promover isso. Tem a área de esportes também, que pode fazer isso com idéias como, por exemplo, os Jogos da Diversidade (realizados em 24 de maio). Temos que incentivar e manter essa prática.

Esse movimento pode começar dentro da própria prefeitura.

Claro, com os servidores do município de modo geral, fazendo um programa de combate à discriminação e respeito à diversidade, principalmente para quem faz atendimento ao público.

Na rede de saúde, por exemplo, uma boa idéia é implantar unidades de saúde com atendimento mais especializado, mas sempre garantindo que em qualquer outra unidade todos sejam atendidos da mesma maneira.

Um passo importante é determinar o direito da pessoa fazer seu registro no sistema com o nome pelo qual ela se identifica. Queremos que essas pessoas tenham uma vida normal na sociedade. Para uma Juliana, ser chamada de João Pedro na hora do atendimento pode ser humilhação, são detalhes que fazem a diferença.

Outro ponto importante está na área de assistência e desenvolvimento social. Os LGBTIs são uma população vulnerável, sujeita à violência. No caso das travestis que fazem programa na rua e dos gays que vivem em situação de rua complica ainda mais.

Eles ficam em condições ainda piores do que as dos outros gays, também discriminados. Um exemplo é na hora de conseguir vaga em albergue público, é importante garantir vaga para todos, independente da orientação sexual de cada um.

E como tirar essa população da rua?

Elaborando programas de capacitação, de geração de emprego e renda. Conheço várias travestis que não querem fazer programa, querem ser recepcionistas, secretárias, professoras, advogadas.

Defendo o fomento à criação de cooperativas de travestis de prestação de serviços em outras áreas, organizar esse grupo para ele ter mais força nessa questão. Mas é preciso também oferecer atendimento terapêutico aos LGBTIs. Vivemos em uma cidade cheia de problemas de equilíbrio mental, são milhões de neuróticos, inclusive eu, eu pago terapia (risos). Vivemos sob muita pressão, com medo por vários motivos. Nos homossexuais, o medo é dobrado por causa do preconceito, das agressões e perseguições, onde tem que ter uma medida ostensiva de segurança para esses casos, com punições rigorosas.

Esse auxílio terapêutico seria no sentido de ajudar o homossexual a sair do armário, assumir sua orientação sexual para a família. É necessário promover um equilíbrio emocional, oferecer terapia para que eles se aceitem melhor, porque existem várias situações de conflito, estresse e insegurança muito fortes nesse momento de descoberta.

Quais ações efetivas a prefeitura pode fazer para combater o preconceito?

Pode-se criar mecanismos na prefeitura para, por exemplo, punir estabelecimentos onde acontece discriminação por orientação sexual. Eu tenho, inclusive, um projeto de lei em trâmite na Câmara que diz justamente isso.

O poder executivo pode fazer isso por iniciativa própria. Não é mandar fechar o estabelecimento, porque isso gera desemprego, mas o lugar tem que responder por essa falta de respeito. Funcionaria dando uma advertência na primeira infração para ele tomar alguma medida, na reincidência já é multa, se ele fizer de novo, uma multa mais pesada, isso até o fechamento do local por uma semana.

O correto é fazer uma coisa progressiva, para não penalizar 20 que perdem o emprego por causa de um. Podemos fazer também um certificado de bom tratamento, pessoas diferentes, mas tratamento igual. Isso pode ir parar na página da SPTuris como uma página especial para esses estabelecimentos amigos da diversidade.

No turismo tem muita coisa a ser feita. Em São Paulo, temos um turismo forte de gastronomia, compras e cultura, é ótimo incentivar essa boa acolhida do público LGBTI, incentivar os estabelecimentos não só no fim de semana da Parada, mas também ao longo do ano. Inclusive, dou o maior apoio à Parada, ela está incorporada na vida da cidade, é preciso que a prefeitura continue apoiando, dando espaço, suporte institucional de tráfego e segurança, promover, divulgar. É um evento que tem um caráter de manifestação política e não partidária, em defesa de respeito, de igualdade e garantia de direitos.

Como suas propostas foram definidas? Você observou o quê para decidir por elas?

Defini essas propostas com a minha vivência e a partir das demandas da comunidade LGBTI, as pessoas foram me chamando a atenção para alguns problemas que eu não tinha tanta noção que existiam. Eu também fui aprendendo muitas coisas com o tempo. Por exemplo, as travestis não eram um grupo que eu conhecia bem, lidava bem, não sabia bem como atuar com elas. Elas me ensinaram, me chamaram atenção para a dificuldade que enfrenta quem não quer fazer programa, quem quer trabalhar em outros lugares que não as ruas. Então juntou a demanda concreta de quem está na minha frente com a minha vivência.

Fui aprendendo muito com a militância, com os movimentos. Você tem que perceber que vai precisar aprender a vida inteira, tem que lembrar que, como você tem que aprender, outras pessoas também precisam. Os parlamentares devem participar mais disso, não ficar com medo de perder eleitorado. Mas tem que ter paciência para que eles aprendam, explicar porque não é correto dizer opção sexual, levar isso para a vida deles. A gente sempre tem o quê aprender.

Na sua opinião, qual é o papel de um prefeito para com a comunidade LGBTI?

O dever de um prefeito é ver a população como um todo. As leis, embora tenham lacunas, prevêem que as pessoas têm direitos iguais, independente de raça, sexo, crença ou orientação sexual. É dever de um prefeito, seja qual for sua convicção pessoal, assegurar que todos tenham os mesmos direitos.

Sabendo que em função do preconceito, discriminação, conceitos distorcidos e noções equivocadas acontece a violência, que pessoas vivem sob ameaças, é dever do governante combater a violência, assegurar a segurança, dar oportunidade igual para todos serem felizes. É um dever dele, mesmo que o governante não concorde com a homossexualidade, que ache um erro, um desvio. Ele pode achar, mas isso não dá a ele o direito de desrespeitar e ignorar o desrespeito, principalmente o prefeito, ele não pode não fazer nada para combater isso.

Qual a sua relação com o movimento gay? Como aprendeu a respeitá-lo?

Essa relação vem desde sempre, eu aprendi respeito em casa, minha mãe nunca deixou a gente discriminar alguém, torcer o nariz por ser homossexual, negro, português, alemão, mineiro, baiano. É desde cedo que se ensina. Ninguém nasce racista, o preconceito se aprende, é uma coisa que se ensina, às vezes até sem perceber, sem querer.

Sem dúvida é preciso ensinar as pessoas desde pequenas a respeitar umas às outras, independente de gostarem ou não do jeito da outra pessoa, do jeito que ela anda, de quem ela gosta. A criança tem que saber que é errado desrespeitar os outros. Por isso bato na tecla de ensinar isso na escola, por meio da educação.

Mas você pode enfrentar dificuldades para colocar esses planos em práticas, como vereadores oposicionistas que podem trancar a votação dos projetos.

Sim, vai haver alguma dificuldade para fazer, mas o importante é que isso está amadurecendo. Por exemplo, temos hoje dentro da prefeitura a Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual (CADS) e o Centro de Referência da Diversidade (CRD), isso mostra que é possível arar a terra dura, mesmo tendo ainda muita terra dura que não está disposta a deixar frutificar a idéia do respeito.

JUVENTUDE

Como será o futuro do jovem atual?

Os jovens costumam levar a fama injusta de serem os menos interessados em política. Geralmente comparam os de hoje com os do anos 60 para concluir que aqueles eram engajados e os de hoje são alienados. Acho injusto. Os jovens são os mais interessados, os que mais se perguntam o que eu posso fazer e como. E nos oferecem a idéia de outras forma de organização e de militância. O futuro do jovem é construir cada vez mais outras forma de engajamento e de militância.

FIDELIDADE PARTIDÁRIA

O que acha da fidelidade partidária?

Acho que os partidos precisam ser fiéis a si mesmo, para começar. O troca-troca utilitarista é imperdóavel, mas algumas trocas são facilmente compreendidas.

MULHERES NA POLÍTICA

Você sofreu algum preconceito em ser mulher e apresentar um programa de esportes?

Ah, claro que sim, estranho seria se não sofresse! Teve gente que me mandou lavar roupa, voltar para o fogão - naturalmente, no momento em que fiz uma crítica ao seu time :o). Acontece. O preconceito é tão grande que tinha gente até que dizia: "Muito boa sua coluna. É você que escreve?". Agora já diminuiu muito.

Na sua opinião, por que em um país no qual mais de 50% do eleitorado é feminino, não há maior participação das mulheres em cargos públicos?

Em parte, por causa da tradição: não faz muito tempo que se admitiu que mulheres podiam votar e, principalmente, serem votadas. A imagem da política como algo masculino é muito mais antiga e ainda está muito cristalizada. Assim, para começar, você tem muitas mulheres que, mesmo sendo muito atuantes e exercendo papéis de liderança, não se vêem disputando um cargo eletivo. Ou seja, ainda é difícil ter candidatas em número significativo; os homens se oferecem em número muito maior. Some-se a isso a resistência de parte das eleitoras em confiar em uma mulher como sua representante e pronto: ficamos com 10% ou menos dos postos no Parlamento.

Você acha que a cultura brasileira não estimula o exercício do poder pelas mulheres? Por quê?

Acho que não; como eu disse, em parte é por força do costume, da tradição. Mulher na política ainda é uma idéia razoavelmente nova, e toda mudança de costume leva tempo para acontecer. Além disso, o papel "reservado" à mulher na sociedade modo geral é de um poder muito restrito, muito definido: sobre as crianças, por exemplo. Mulher pode ser mãe, professora, enfermeira, psicóloga... Mas o poder sobre outros homens, por incrível que pareça, ainda é meio tabu.

O que dificulta o envolvimento das mulheres em questões coletivas e na disputa por um cargo público?

Esses costumes e estereótipos que eu citei e questões práticas, como o fato de mulheres ainda acumularem muito mais a vida social, profissional e acadêmica com os os cuidados com a família do que os homens. Isso as torna menos disponíveis para uma empreitada desse tipo (e é uma senhora empreitada!)

Como você acha que a mulher é vista, perante a sociedade, estando ela no poder?

É uma visão meio ambígua. Por um lado, por estar na política e ser este um meio tão masculino, ela é vista um pouco como "heroína", isto é, alguém especial, valente, ungido com super-poderes (se é mulher está na política, só pode ser "f*dona"). Por outro, alguém que a qualquer momento pode ser tapeado, deixado para trás, porque continua sendo uma mulher e, por isso, mais fŕagil. Não sei se a famosa "sensibilidade feminina" é mais valorizada do que as qualidades que, supostamente, são mais masculinas...

Quais medidas poderiam ser adotadas para reverter o atual quadro feminino na política brasileira?

Não há nada melhor que aproximar a política das pessoas de modo geral, porque o grande problema hoje é o desinteresse, o desencanto, o desprezo. É difícil trazer novos quadros, porque quem está fora não quer entrar (e quem está dentro não quer sair!). Se for oferecida educação política para as pessoas, de modo que elas entendam o que é, como funciona, qual o papel e a importância da política, elas se sentirão mais interessadas e estimuladas a participar. Se a política for desmistificada, traduzida, tornada compreensível, se demonstrarmos que políticos não são "eles", personagens estereotipados e inamovíveis, mas sim qualquer pessoa que se disponha a tomar parte, poderá haver uma renovação e diversificação. E isso inevitavelmente incluirá as mulheres.

Você acha que o sistema de cota para mulheres, no qual obriga os partidos políticos a inscreverem, no mínimo, 30% de mulheres nas chapas, é eficiente? O que você pensa a respeito da obrigatoriedade de ter essa cota nos partidos políticos?

Todo sistema de cotas tem problemas; o que fazer se não houver mulheres suficientes para preencher a cota de candidatas, obrigar algumas a se candidatar contra a sua vontade? Mas todos são necessários, porque são a correção, na marra, de alguma distorção que não pode esperar décadas para ser resolvida. Não é uma correção perfeita, completa, mas ela força uma mudança mais rápida. Por causa da cota, os partidos têm de se preocupar em identificar, formar e estimular lideranças femininas – e, se não o fizerem, terão ao menos a obrigação de reservar um espaço para aquelas que tomarem a iniciativa de se apresentar como candidatas.